quinta-feira, 12 de maio de 2011

Quem fiscaliza o Ecad?


Concedi uma entrevista a jornalista Cecília Oliveira para uma série de matérias a serem feitas pelo Observatório de Favelas - RJ, a respeito dos Direitos Autorais, intitulada: "A gente não quer só comida" e gostaria de compartilhar pelo meu blog também, tamanha a relevancia do tema para a classe artística.

Cultura
- 12/05/2011
Direitos Autorais
Por Cecília Oliveira

Em 1998 surgiram os primeiros players portáteis de MP3, usando memória flash. Neste mesmo ano foi sancionada a lei de direitos autorais, que claro, não levava em conta novas formas de mídias de comunicação. Hoje temos no mercado até MP10, com muito mais funções, mas a lei continua a mesma. Ela não acompanhou os avanços comunicacionais.

Reconhecendo o avanço do mercado, as novas formas de fazer cultura e de distribuí-la, o Ministério da Cultura começou a correr trás do prejuízo na gestão Gilberto Gil. O então ministro abriu mão de seus direitos autorais, adotou a licença Creative Commons no site do Minc e colocou a Lei de Direitos Autorais em consulta pública para que a sociedade civil opinasse acerca de sua mudança.

Contrariando expectativas, a Ministra da Cultura conduzida ao cargo em janeiro, Ana de Hollanda, causou estranheza ao declarar que a consulta pública acerca da Lei do Direito Autoral precisa ser revista. O novo ministério também tem sido alvo de constantes críticas que afirmam certa proximidade com o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição).

“A Ministra apresenta valores opostos aos anteriores. Parece uma Ministra de oposição em governo de situação”, diz Túlio Vianna, professor de direito da Universidade Federal de Minas Gerais crítico da Lei. “A lei é muito antiga e precisa ser modernizada. Ela reflete o modo de pensar que materializa a obra, a trata como propriedade”, diz.

Na contramão
Você compra um CD e não pode tocá-lo em sua festa de aniversário, nem tampouco repassá-lo para seu player portátil. Pela atual Lei de Direitos Autorais isso é um crime, passível de multa e até em último caso, prisão.

De um lado esta inflexibilidade da lei e suas muitas restrições. Do outro, a realidade: bandas que gravam CDs e os dão de brinde a quem vai a seus shows, faixas de música e clipes para download gratuito, venda on line de álbuns, compartilhamento de dados, e-books. Nada disso é contemplado pela antiga lei que rege o acesso à cultura do país.

“Esta nova realidade não pode ser ignorada ou reprimida, colocando a internet como vilã, como se ela fosse atrapalhar a cultura. A lei é focada na venda, num modelo antiquado, com os dias contatos”, ressalta Vianna, que questiona o argumento mais usado por aqueles que defendem a atual política. “Quem ganha mais dinheiro são os muito ricos, artistas já consagrados. Os outros pagam para trabalhar, pra gravar seus discos. O artista ganha 3% do valor do disco. Nenhum músico vive disso. O que dá dinheiro hoje são os shows”, afirma.

Hoje não é raro que bandas iniciem carreira disponibilizando músicas gratuitamente na internet e escritores deixem seus livros pra download. Os mais renomados, como o Pearl Jam, por exemplo, faziam shows e disponibilizava suas músicas para o público baixar em questão de horas, já em 2005. Hoje a banda faz isso pelo microblog twitter. Rita Lee disponibilizou em seu site sua discografia, que ao todo conta com 32 álbuns. Entre os discos disponíveis para streaming há lançamentos raros como “Rita Lee em Bossa and Roll Ao Vivo”, que saiu em 1991 apenas em vinil e K7.

Questões em debate
Criminalização da cópia para uso pessoal, prazo de proteção das obras, limitações aos direitos do autor, tributação de produtos de cultura sem fins lucrativos, política do Ecad. Estes são alguns dos pontos da Lei de Direitos Autorais em torno dos quais mais há questionamentos.

Para a cineasta Nathália Machado, a atual lei é burocrática, ineficaz e inviabiliza alguns processos de produção de cultura. “É muito importante que exista uma fiscalização. Muitos artistas têm suas músicas tocadas em rádios e outros lugares, mas devido ao 'jabá' e os outros ‘jeitinhos’, os que recebem uma quantia alta, que na verdade deveria ser de muitos, são sempre os mesmos”, afirma. Nathália toca ainda numa questão importante: “Quem fiscaliza o Ecad?”. A pergunta é pertinente, uma vez que notícias acerca de fraudes no órgão têm aparecido com certa freqüência nos jornais. Tanto que o MinC admite necessidade de supervisionar o Ecad. Mas ainda assim evita falar em fiscalização.

Ao produzir um de seus filmes, "Mais um Dia" – patrocinado pela Faculdade onde estudou -, Nathália optou por usar trilha sonora própria. “Assim me englobo em outra categoria relacionada a direitos”, justifica. Nos demais filmes sem fins lucrativos que fez, ela preferiu produzir também a trilha sonora. “Se o idealizador não seguir as regras de reprodução a risca, ele inviabiliza seu trabalho. Pode ter problemas. Por isso prefiro fazer assim”, explica. A cineasta tem a sorte de ser casada com um sound designer. Quem não tem este privilégio, tem que arcar com custos mesmo que o produto que desenvolva não tenha fins comerciais. Mas isso pode mudar.

“As exibições musicais e audiovisuais sem intuito de lucro também estão permitidas pela proposta de lei apresentada, desde que, porém, estejam enquadradas numa série de hipóteses bastante restritas como, por exemplo, o uso em estabelecimentos de ensino. Melhor seria que as exibições sem fins lucrativos fossem sempre permitidas, pois não há sentido, por exemplo, em se cobrar pela exibição de um filme numa associação de bairro, já que lá ele cumprirá a mesma função educacional que em um estabelecimento de ensino formal. Da mesma forma, a exibição musical, ainda que em praça pública, quando sem fins lucrativos, atende a inequívoco fim cultural e, portanto, não deveria estar limitada pela cobrança de direitos autorais”, explica Túlio Vianna.

Consulta Pública
O MinC havia realizado uma consulta pública em julho de 2010 e recebeu, em dois meses, mais de 8 mil manifestações da sociedade. Nova Consulta Pública foi aberta em 25 de abril deste ano. Especialistas criticam o formato em que foi feito o processo, sem uma plataforma que permita o acesso as sugestões enviadas ao ministério, limitando a possibilidade de construção coletiva.

“A indústria cultural está unida em torno da manutenção de seus interesses econômicos. É preciso que a sociedade civil e os interessados em geral se organizem em torno de propostas que ampliem as possibilidades de usos não onerosos de obras intelectuais protegidas. Não se pode admitir que uma lei concebida para estimular a criatividade seja a grande responsável pela limitação da produção e da divulgação da cultura nacional. Há que se proteger, sim, os direitos dos autores, mas é preciso conciliá-los com o justo interesse da população em geral de copiar obras livremente para uso pessoal, quando o fizer sem fins lucrativos”, finaliza Vianna.

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